Em alguma ilha distante, 09 de Agosto de 1762
Daqui
à uma hora, o Sol despontará no horizonte, saindo de dentro do imenso mar que
posso, com dificuldade, contemplar através da pequena janela de minha cela. Na
verdade a palavra janela é um tanto otimista para designar o pequeno buraco com
grossas grades enferrujadas pelo qual a luz do amanhecer entrará. Daqui à uma
hora... Um guarda virá. Quem sabe dois? Seria eu merecedor de dois guardas para
me tirarem dessas correntes pesadas?
Fardo que carreguei por vinte anos. Isso! Há vinte anos preso,
torturado, estuprado por todas as atitudes e palavras mais violentas que um
homem pode suportar, condenado à forca. À morte. E depois da condenação, jogado
nesta cela como um brinquedo que uma criança abandona e nunca mais lembra que o
teve. Porque como vocês sabem, criança tem a memória muito curta. Os adultos
também.
Porém,
nesta noite, minha última noite como um condenado, avistei a estrela da manhã e
ela brilhava mais do que nunca, com toda sua magnitude e beleza. Fitei-a
profundamente, e foi quando em um grande fulgor ela me revelou seu grande
segredo.
Tolos
os que me acorrentam nesta cela. Condenaram-me a algo ao qual já nasci
condenado! Nascer é estar condenado à morte! E se sofri, se chorei, se sangrei
até meus órgãos se cansarem de lutar e desistirem, foi pela fantasia de que
esse sistema que me encadeou tinha o controle sobre a minha vida! Padeci por
ilusão!
Então,
me liberto! Quebro aqui, o meu ciclo de vida e morte! Esta é a minha carta de
alforria! Assinada por mim!
Quando
o capataz puxar a alavanca, apenas um corpo se moverá à lei da gravidade. Vai-se
apenas uma parte de mim. Estarei vivo nesta carta. Em cada letra, em cada
palavra, em cada oração! Oração. E agora que você, por um acaso do destino
encontrou-a e leu-a, torno-me vivo dentro de ti! No coração do estágio mais
profundo do teu ser. Te liberto! E sempre quando, uma hora antes do Sol iniciar
a aurora, você avistar a estrela da manhã, juntos seremos um só! Eu, você, e a
estrela! Felizes, em paz e em liberdade!
Obrigado minha outra metade,
Thomas
Harrison